26 de fevereiro de 2009

Justiça ???????

Peço-vos que leiam este excerto de uma noticia do "Jornal de Noticias".
Um juiz do Tribunal de Barcelona, em Espanha, condenou quarta-feira um mendigo francês a um ano de prisão por ter roubado, com recurso à violência, metade de um pão.
O mendigo foi condenado à revelia por não ter sido notificado do julgamento, uma vez que não tem domicílio para o qual as autoridades pudessem ter enviado o aviso do julgamento.
De acordo com o juiz, o roubo aconteceu a 9 de Setembro, quando o indigente se dirigia à padaria "El Pan", em Badalona, Barcelona, e se apropriou de um pão que uma empregada apanhou também.
O mendigo terá começado a gritar em francês para intimidar a funcionária, tendo conseguido roubar metade do pão. Como prova de que se tratou de um furto violento, o juiz considerou o "sentimento de medo" que assustou a vítima.
"Se não tivesse sido usada a violência, a conduta não tinha sido constituída de delito de roubo, uma vez que o valor (do pão) é inferior a 400 euros", esclarece a sentença.
A legislação espanhola condena o roubo violento com penas de dois a cinco anos, pelo que o juiz condenou o pedinte a um ano, tendo em conta que se tratou de "um acto menor".
Muitos podem não concordar comigo, mas vejo com alguma preocupação o caminho pela qual a justiça portuguesa e não só como é este caso, está a enveredar.
Quando todos dias lemos que a pessoa A ou B desviou milhões de euros (ex: José Oliveira e Costa, Bernard Maddof, entre muitos outros) em que a ganância deles colocaram na miséria milhares de pessoas, ou indirectamente obrigaram o estado a intervir financeiramente para resolver o problema mas deixando um pesado encargo para as gerações futuras. Estes indivíduos que com a sua capacidade financeira, com excelentes advogados e com os conhecimentos que possuem nas altas esferas o mais certo é acabarem por levar uma repreensão do juiz ou então apanhar 3-4 anos mas saindo ao fim de 1 por muito bom comportamento. Agora pergunto aonde é que está a justiça que protege os mais pobres e os indefesos. Vendo um caso e os outros é para dizer que a justiça está mesmo cega.
"Um Só"

10 comentários:

teresa g. disse...

Pois...

Anónimo disse...

A situação é gravíssima, mas não é de agora. E é só um dos muitos aspectos em que no "mundo ocidental" se caminha a passos largos para uma injustiça social gritante e perigosa.
Um dos aspectos mais preocupantes assenta na injusta da distribuição de riqueza. Tem-se vindo a verificar neste aspecto uma separação cada vez maior entre os extractos sociais. Se é conhecimento comum que "cada vez os "ricos" são mais ricos e os pobres mais pobres", a compreensão dos meandros deste processo escapa ao cidadão comum. O que se tem passado efectivamente é que aqueles que por uma razão, ou por outra, adquirem uma posição que lhes confere poder, aproveitam-se descaradamente disso para "açambarcar" a riqueza disponível. Um exemplo e que não tem nada a ver com "ricos" e "pobres" são por exemplo as diferenças remuneratórias entre diversas classes profissionais, na maior parte das empresas. Se há 20 anos um gestor era 5 vezes mais remunerado que um engenheiro da produção, actualmente essa diferença atinge as dezenas de vezes. Cito o caso do engenheiro, para evitar falar do trabalhador comum, correndo o risco de o meu discurso ser intrepetrado como "marxista".

teresa g. disse...

EstranhoBelo, hoje já tomei café e está-me a apetecer meter uma colherada, se os nossos anfitriões não se importarem.

Concordo contigo, mas acrescentaria mais algumas coisas que me parecem essenciais. As injustiças, a exploração do homem pelo homem não são de agora, são tão velhas como a humanidade. O que me parece que acontece agora é que a dimensão das coisas, seja da complexidade da organização da sociedade, seja da quantidade de riqueza (=poder) que podem ser acumuladas e concentradas, nunca foram tão grandes como hoje. Se há as injustiças como o 'um só' referiu, e como tu referiste, dentro da nossa sociedade (Barcelona está tão perto que se pode quase considerar a nossa) há-as muito maiores em relação aos países pobres, da África, da Ásia e da América Latina, em que o sistema de comércio livre, a falta de legislação regulatória desses países, e a corrupção, estão a tornar a vida simplesmente insustentável para povos inteiros, a verdadeira miséria dentro da pobreza. Se conheces o ATTAC isto não deve ser novo para ti.

Mas onde eu queria chegar, é que o problema não é só a distribuição, mas a utilização e a valorização da riqueza material, a forma como se pensa o desenvolvimento e a qualidade de vida em termos de riqueza material, particularmente em termos de consumo.

Há um livrinho muito interessante, escrito já nos anos 70 que descreve de forma muito clara o que estou a tentar dizer, chama-se 'Small is beautiful' e defende uma organização da economia e da sociedade à 'escala humana'. É muito compicado explicar isto em meia dúzia de frases, mas basicamente trata-se de pensar uma sociedade em que a qualidade de vida não dependa de uma escala que se torne inalcansável à compreensão e controlo dos cidadãos, e que não baseie essa qualidade de vida cegamente na riqueza material, nem na concentração desta.

E isto, que é também aquilo que acredito ser a única solução para o grande rolo em que estamos metidos (em termos ecológicos como em termos sociais), vai para além dos conceitos de esquerda e direita, que me parecem estar ultrapassados. Mas também me parece que esta crise poderia ser uma oportunidade de ouro para repensar todo este modelo estúpido de sociedade que foi construida, ao longo dos séculos, mas de forma acelerada no final do séc XX. Só que para isso não podemos depender simplesmente dos governantes, e acho que nem preciso de explicar porquê, não é? É necessária a consciencialização das pessoas, e que os movimentos de cidadania tenham força, e voz, e acção. (Afinal isso seria a verdadeira democracia, não é?)

Pronto, já escrevi um testamento, de vez em quando lá calha vir martirizar uma caixa de comentários, mas como isto me parece importante...

"Um Deles","O Outro" e "Um Só" disse...

Fiquei intrigado com a sentença espanhola e procurei outra fonte de informação que fosse um pouco mais elucidativa e encontrei o seguinte:

«Barcelona, 25 fev (EFE).- Um tribunal de Barcelona condenou um mendigo de nacionalidade francesa a um ano de prisão pelo roubo de uma bisnaga de pão.
O pedinte, levado à Justiça por ter cometido roubo com violência e intimidação, foi julgado à revelia, já que não pôde ser intimado para comparecer ao tribunal por não ter residência fixa.
Segundo os autos do processo, o roubo aconteceu em 9 de setembro de 2008, quando o mendigo foi a uma padaria de Badalona (Barcelona) e, agarrando a balconista pela gola do uniforme, pegou uma bisnaga enquanto gritava palavras em francês para amedrontá-la.
"Se não fosse o uso de violência, a conduta não seria constitutiva de delito de roubo, mas de furto. Nesta tipificação teria relevância, sim, o objeto. Já que se seu valor é inferior a 400 euros, estaríamos diante de uma falta de furto", diz a sentença.
Segundo o parecer da Justiça, o roubo foi considerado violento por causa do "sentimento de temor e medo" imposto à vítima enquanto o mendigo a intimidava.
A sentença ressalta ainda a "honestidade" da balconista, que, durante o julgamento, disse que teria dado o pão se o mendigo tivesse pedido.
Apesar de o Código Penal espanhol punir o roubo com violência com penas de dois a cinco anos de prisão, o juiz determinou a reclusão por um ano em função do "menor grau de violência e intimidação exercido". Globo.com

Neste caso, apesar de não conhecer a sentença com todos os seus pormenores - essenciais para poder enquadrar a (minha) justeza da decisão judicial - quero acreditar que o juiz esteve bem, e que, em consciência e de acordo com a lei, aplicou a pena adequada e necessária, para de um lado, "castigar" o criminoso (seja ele mendigo ou não), e por outro lado, dizer à sociedade que o sistema funciona e que os bons estão a ser protegidos dos maus.
- Só um aparte: não sei se o advogado oficioso recorreu ou não da decisão, nem se a pena de um ano foi suspensa na sua aplicação, mas são pequenas (grandes) pormenores que podem dar mais ou menos dimensão à notícia...e de facto veiculada como foi, acaba por ser bombástica e polémica -
Outra questão (e aí sim, todas as críticas serão seguramente mais consistentes e convergentes) é saber se, nos casos dos Casa Pia, BPP, BPN, Madoff e companhia, a justiça terá mão tão pesada, se as provas forem tão evidentes como as do caso do mendigo.
"Um deles"

teresa g. disse...

'Um deles' mas a justiça não se pode restringir aos tribunais! Isto é, se considerarmos um julgamento, independentemente do enquadramento destas ocorrências na sociedade, não duvido que a maioria (certamente não todos) dos julgamentos serão justos. O que eu estava a fazer, penso que o 'um deles' e o Estranhobelo também, era a avaliar da justiça de um sistema, uma sociedade, que é demasiado complexa, demasiado permeável aos abusos dos que têm o poder do dinheiro ou da influência. Quero dizer que a justiça não é só feita pelos tribunais, eles são apenas um instrumento da sociedade (sem desprimor :) ) para regular o seu funcionamento. Mas eles não conseguem fazer tudo, por exemplo se existirem buracos na legislação. E eu não percebo nada disso, mas quando ouço falar em coisas como paraísos fiscais, parece-me que a sociedade não tem buracos, tem buracões, por onde os grandes sempre se escapam, enquanto que os pequenos não têm saída.

Coisa que, defendendo a minha dama, não aconteceria se as sociedades se organizassem a uma escala diferente, a tal escala humana. Eu sei que é feio mandar as pessoas ao meu blog :), mas se conseguirem seguir um documentário em inglês, aconselho-vos a ver o post que fiz sobre o Ladakh, dá para perceber o que quero dizer, e que não é defender um voltar atrás, mas um tipo de evolução, de desenvolvimento diferente: http://coresterra.blogspot.com/2009/02/ancient-futures-learning-from-ladakh.html E existe uma tradução em português, (caso alguém se entusiasme e queira ver eheh) que eu tenho por aí, infelizmente em VHS

"Um Deles","O Outro" e "Um Só" disse...

As leis são criadas pelos poderesos...e está tudo dito. Depois, a temática de mudar a sociedade, as hierarquias, etc....é outra história sem surpresas a final
Quanto aos paraísos fiscais não foram de certeza invenção de agricultores astutos,ou de professores engenhosos...
Um Deles

Anónimo disse...

Bem! caros amigos, vou tentar ser mais breve,
que vós, pois dissecar da forma que fizestes, além de ser moroso, vai-me levar de certeza para as tristes conclusões a que chegastes, por isso, deixo-vos outro tipo de visualizar a sociedade:
1º Em relação á lei e para "um deles" Quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? na justiça
a lei do Homem ou Homem de lei? e depois alguem disse " nunca o cidadão deve saber como é feita a Lei e as Salsichas " ,pois e agora esta aqui uma salsichada.
2ºPRINCÍPIO,e PRINCÍPIOS significa começo ou causa de algum fenômeno.
Princípio também pode ser definido como a causa primária, o momento, o local ou trecho em que algo, uma acção ou um conhecimento, tem origem,pois e alguem (sociedade) os perdeu, e deu origem a este triste momento social denominado de CRISE (mas de quê?), não seria melhor utilizar " FIM DE LINHA ". (esta linguagem ferroviária) fez-me lembrar uma pequena história sobre princípios que me irá servir para ilustrar este segundo raciocínio:
Um pastor guardava ovelhas junto de uma linha férrea e desde logo alertado pelo patrão para ter cuidado e não deixar as ovelhas irem para a dita cuja, mas adormeceu, quando acordou, já encontrou dezenas de ovelhas trucidadas pelo comboio (e não era o t.g.v.). Claro foi despedido e teve que procurar trabalho em outro sitio, viajou de autocarro e quando chegou ao destino deparou com o seguinte cenário: um míudo rebocava lentamente por um cordel um comboio de brincar, imediatamente se dirige ao míudo e destroi completamente o brinquedo. O míudo fica aos berros e a mãe chama a policia, questionado por esta razão para tal acto responde: - Se os não destruimos quando são pequenos depois de grandes matam as ovelhas todas...

Moral da História:
Se os tivessemos destruido enquanto eram pequenos...
Se não tivessemos adormecido...

Anónimo disse...

Concordo plenamente com a Jardineira aprendiz quando diz que o problema está na utilização e valorização da riqueza material na sociedade actual.
É certo que a exploração do homem pelo homem não é de agora, mas é também certo que a humanidade devia ter atingido um outro ponto de maturidade e consciência social.
Ao contrário, parecemos estar a avançar no sentido inverso.
É de facto vergonhoso o que a cada dia tem sido dado a conhecer pelos órgãos de comunicação social – ainda que por vezes com um sensacionalismo também ele sempre criticável – de abusos escandalosos de poder, verdadeiros “roubos” que violentam o bem de uma sociedade que hipocritamente se declara livre, igual e fraterna.
Mas estranho, e expressivo do que me refiro quando digo concordar com a Jardineira aprendiz quanto ao problema estar na “forma como se pensa o desenvolvimento e a qualidade de vida em termos de riqueza material, particularmente em termos de consumo” nos dias de hoje, é a maneira, digamos, natural como no fundo a sociedade encara essas situações, sendo comuns comentários do tipo “O Major, o Isaltino Morais, o Vale e Azevedo e a Fátima Felgueiras é que são espertos”, comentários que revelam toda uma sociedade burlona, criminosa e falsificadora em potência – com alguns bons aprendizes amadores de que dou apenas o engraçado exemplo do Sérgio Silva, o falso investidor que, em Abril de 2008, prometeu injectar 38,5 milhões de euros no Boavista – à espera da sua oportunidade de, ainda que à sua escala, tramar o vizinho, prejudicar o colega ou molestar a própria família, com o objectivo final de sempre ter um pouco mais.
É o fruto da valorização que hoje se faz dos indivíduos pelo que têm e não pelo que realmente são, numa sociedade que procura a sua felicidade na riqueza material, no consumo e na posse.
C.B.

teresa g. disse...

Devesa, eu ia-te perguntar quem são eles, ou se 'eles' não seremos nós todos, ou não teremos todos alguma responsabilidade. Mas acho que CB já respondeu.

Voltei aqui porque encontrei um artigo relacionado com esta conversa, ainda mais longo que os nossos comentários, mas que acho que vale a pena, se tiverem paciência. Até porque é uma voz optimista. Há vários textos na página, todos interessantes aliás, mas o que me refiro é Um Movimento Democrático Global está prestes a estourar.
de Paul Hawken: http://sitiocurupira.wordpress.com/curupiranews/

teresa g. disse...

Acho que daqui a pouco ainda sou corrida deste post à vassourada, mas encontrei um artigo do Viriato Soromenho Marques que achei uma achega muito interessante a esta conversa: http://www.viriatosoromenho-marques.com/Imagens/PDFs/VS-M,%20Cidadania%20e%20Ambiente%202001.pdf
Se alguém tiver paciência para ler...

(Já percebi que a preocupação actual é o temível vírus H7N1, mas não se preocupem, uns espirritos (?) e daqui a pouco já ninguém se lembra :P)